quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Reflexões

Quando se mantém um blog, é comum ficar alerta a tudo, e querer compartilhar tudo. Hoje três pequenos acontecimentos - quase simultâneos - me levaram a desejar escrever.

O primeiro foi a chegada de um pacote contendo fibra de alpaca que encomendei no iniciozinho do ano. Eu nem estava contando com este pacote agora... mas hoje ele fez surpresa para mim. Alpaca é este animalzinho muito fofo que vive nas terras altas aqui da América do Sul, e nos EUA é criado a pão de ló por causa de sua fibra extremamente valorizada:


Eu já li maravilhas sobre a fibra, e querendo "ver-para-crer", encomendei. Noooossa... Minha amiga Rosie, que mora em Niterói mas é uma grande companheira de artes & experimentos, diz que certos materiais não podem ser usados de imediato - têm de passar por um "período de adoração". Essa fibra, com certeza, pertence a essa categoria:


Não dá para descrever - só tocando: fofinha, sedosa, aconchegante...dá vontade de se jogar em cima!

E aí fui para a internet pesquisar sobre a fiação da fibra de alpaca - ela é mais curta e requer um processo diferente da lã de carneiro. Pesquisa daqui e dali, achei este vídeo: um menino de uns doze ou treze anos, de fones de ouvido e camiseta de skatista, fiando, com a cara mais blasé do mundo!




Por que o espanto? Bem, digamos que fiação artesanal seja uma atividade milenar, e é um barato ver um garoto do século 21 se interessar por isso! É ou não é para a gente refletir sobre a atração que essa atividade exerce?

No meio dessa reflexão, entro no fórum da comunidade Spinning Daily e deparo-me com a seguinte postagem: uma estudante redigindo uma monografia pergunta às usuárias: "Por que vocês fiam?" Fiquei tentada a responder, e fiz isso em dez minutos - depois de refletir durante uma hora inteira! Vou tentar resumir aqui minha resposta.

Essa terra em que vivemos é produto do trabalho, esforço, pesquisa e estudo de gerações e gerações. Nós nascemos aqui e encontramos quase tudo pronto. Somos uma geração privilegiada, que tem acesso a facilidades ultra sofisticadas. E também a muitos estímulos. E na pressa de viver tudo, usufruir de tudo, estamos perdendo a capacidade de discriminação: consumimos tudo. Somos a geração do "pegue-e-pague": tudo o que precisamos, compramos (grande parte do planeta vive sob condições econômicas que não permitem essa moleza, mas aí é outra história, que usualmente preferimos ignorar).

Assim sendo, nós podemos abrir o armário em uma manhã fria e encontrar uma dúzia de suéters. Várias cores, vários modelos. Todos feitos de material sintético, fabricados na China, com mão de obra suspeita e que alimentam um esquema econômico cruel. Mas a gente não pensa - a gente compra. Afinal, estavam em liqüidação. Três por R$ 59,90. E, apesar de termos uma dúzia deles, em um momento de tédio somos capazes de achar que estão todos batidos e fora de moda, e naquele dia sairemos do trabalho, passaremos em uma liqüidação, e compraremos mais um. Ou seja, a gente tem, tem, tem, mas nunca está satisfeito. A gente tem fácil, então não valoriza.

No passado, quem queria se aquecer tinha de criar o carneiro, tosquiá-lo, processar a lã, fiar e tricotar. Se cada membro da família tivesse um suéter, maravilha. Quem fosse capaz de produzir em excesso trocava pelo algodão ou pela vaca do vizinho. Tudo era essencial e valorizado. Não dava sopa, né?

Não estou querendo dizer que temos de voltar a ser assim. Progresso é bom e eu gosto. Mas nesses tempos de "pegue-e-pague", perdemos completamente a noção de como as coisas são fabricadas, que impacto o processo de fabricação causa no ambiente, e qual o tamanho da conta que pagamos - nós e o planeta - por tudo o que consumimos. Quando aprendemos sobre o processo de fabricação de algo que consumimos, temos a chance de refletir sobre nossos hábitos de consumo. Com essa percepção, vem a valorização. E o entendimento de que é melhor ter dois suéters tricotados em casa, com lã fabricada em casa, do que dúzias de suéters de liqüidação. 

Estou longe, muito longe de viver de acordo com esse meu pensamento. Mas fiar é um começo, e uma coisa leva a outra. Estamos em 2012, mas eu nunca acreditei no fim do mundo. Acredito, sim, no fim desse estilo de vida que levamos hoje. Acredito que mudanças radicais precisarão acontecer antes que se tenha paz na terra. Acredito, principalmente, que se não mudarmos nossos hábitos de consumo o planeta já era. 

Mas não sou radical. Esses dias me perguntaram se sou vegetariana. Não, não sou. Admiro quem é, por razões espirituais. Mas não creio que temos de ser vegetarianos por questões de crueldade contra os animais. Não acho crueldade o esquema de antigamente, em que as pessoas tinham animais por uma questão de subsistência, e os comiam. Todo mundo comia só o necessário. Acho cruel o esquema das granjas de hoje:  os animais não têm o direito de usufruir de uma vida no campo, são confinados aos milhares e milhares, são entupidos de antibióticos e hormônios... para quê? Para alimentar toda a população do planeta? Resposta errada, porque milhões morrem de fome. Esse esquema existe para que poucos privilegiados possam consumir muito mais carne do que precisam, possam sentar em uma churrascaria e se empanturrar. Nessas horas penso no Tião Galinha - personagem de uma novela de uns vinte anos atrás, interpretado pelo Osmar Prado. Ele dizia: "quem tem mais  pão do que precisa, tá comendo o pão de alguém". 

Vou aproveitar para compartilhar um filminho: 


Descobri a existência desse vídeo no livro "A Itália de Jamie" (Jamie Oliver). Lá na página 210 ele faz umas colocações bem bacanas sobre essa história do consumo exagerado. No contexto da carne, mas acho que se aplica a tudo - ao que vestimos, calçamos ou comemos.

Vixi, hoje eu divaguei! 

Mas vou mais longe - lembrei da canção "Somente o necessário", do filme Mogly (Disney), e vou me despedir compartilhando o vídeo:

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

E janeiro já se foi...

Olá!


Parece incrível que o primeiro mês do ano já se foi! As férias voaram, e nessa última semana, especialmente, o tempo foi curto para escrever aqui porque estive preparando a volta às aulas em meu ateliê de patchwork - preparando a agenda de oficinas, contatando alunas, etc. Mas também posso dizer que janeiro foi produtivo aqui no departamento de fibras - a fiação deslanchou, os carneiros estão brotando do nada aqui em Pouso Alegre, a ACAJAL aprovou meu projeto de introduzir aqui na cidade um artesanato à base de lã de carneiro... estou devendo detalhes sobre tudo isso!


Mas, enquanto não pago as dívidas, pelo menos dou uma satisfação a vocês sobre uma de minhas últimas postagens: o que foi feito do velo de carneiro que ganhei do Seu Arlindo?


Bem... ele continua lá no sacão, e ainda não sei bem se poderá ser aproveitado: lavei um punhado e o resultado foi assim.... bem ruinzinho: A sujeira foi removida e a lã ficou até cheirosinha, mas a qualidade é realmente tão ruim quanto eu já esperava - talvez pior. Pelas conversas que tive com criadores daqui e de Ouro Fino, entendi que já houve na região criação de raças produtoras de lã; mas essas pessoas hoje preferem raças produtoras de carne - o destino da produção é mais certo. Mas conversando a gente se entende, e com o projeto da ACAJAL aprovado tenho certeza de que vamos conseguir que os produtores voltem a ter interesse pelas raças lanadas. Há alguns carneiros mais peludinhos lá no Seu Arlindo - poucos, mas estão lá. Estou aguardando a tosquia, e torcendo para a qualidade da lã ser melhorzinha.


Enquanto não consigo a lã ideal por aqui, vou fiando a que vem de fora e fazendo mais experiências. Essa semana testei uma nova técnica de fiação utilizando lã da raça corriedale, comprada no eBay: escolhi três cores e montei rolags multicoloridos. A fiação a partir de rolags faz com que a lã forme o fio perpendicularmente, e o resultado é mais fofinho, leve e aerado. Essa técnica é conhecida como "woolen". O tipo de fiação que eu havia mostrado antes utiliza as fibras em seu sentido natural - o fio fica mais lustroso e mais compactado, denso: é o tipo "worsted". Ambos os tipos são aceitos - cada qual para seu propósito. Em geral, peças que sofrerão mais atrito precisam de um fio do tipo "worsted". Um suéter tricotado com fio woolen pode ter cotovelos esburacados rapidinho; mas para um cachecol esse fio seria ótimo - a peça ficaria mais leve, gostosa de usar.


Mas o que é um rolag? As fotos explicarão:


1. Três cores de lã penteada foram selecionadas;
2. Desfiei punhados da primeira cor...
3....e depois das outras cores;
4. Enrolei as três cores juntas, alinhadas, para formar o rolag;
5. Rolag pronto;
6. Para fiar, uni a ponta do rolag com a ponta do fio que já estava na roca: 
dá para perceber que as fibras não serão alimentadas pelo comprimento.

O resultado foi um fio matizado bem bonito, que já passei da bobina para o niddy-noddy: 180 metros. Amanhã vou tratar dele para eliminar o excesso de torção, já que não pretendo fazer plying: será preciso mergulhar em água morna com sabão suave, enxaguar e pendurar para secar com um peso. 



Ao lado do niddy-noddy dá para ver uma pilha de fibras soltas, né? São os meus erros! Mas nada se perde - vou utilizar essas fibras para fazer feltragem com agulhas. Depois eu mostro!

Até a próxima!