domingo, 18 de dezembro de 2011

100% merino, 100% brasileiro

Estão me perguntando que material eu tenho fiado. Pois bem. Eu tinha lido que a lã é o material mais fácil para quem está aprendendo a fiar: ela tem as fibras alongadas, ao contrário do algodão, por exemplo. E eu também estava frustrada porque via peças tricotadas com lã de verdade no Ravelry, e aqui no Brasil eu não estava encontrando fios assim. Fiz uma pesquisa e descobri a La Rocca, em Rosário do Sul, RS. Fiz o contato e fui atendida pela Andréa Irion, que é super atenciosa; e meu Merino chegou a jato! Depois da primeira encomenda já fiz outras, e o pacote sempre chegou rapidinho. O preço é bom e a lã é linda - além de render muuuuuito!

Das raças lanadas, o Merino, de origem australiana, é considerada a melhor para produção de lã (há raças de carneiros criadas só para corte). Não pus a mão em velos de outras raças, ainda, mas arrisco dizer que o merino é maravilhoso!

A La Rocca dedica-se à fiação artesanal mesmo, em roca de pedal. Eles têm a lã branquinha, que tem cara de creme chantilly, e algumas tonalidades naturalmente coloridas - beges, cinzas, marrons. O carneirinho já era assim - nada de tingimento artificial. Pode-se comprar a lã já fiada, ou meadas penteadas, prontas para fiar. Este foi o último pacote que recebi deles:




A La Rocca não tem site, e eu não entendia o motivo; aí, olhando fotos da fazenda no facebook, percebi que eles devem querer passar mais tempo no campo do que na frente do computador! Ô inveja!

Notícias da roca

Eu disse notícias da roca - e não da roça! rssss

Vamos lá: tô fiando, gente!!! A voz é semelhante à do dragãozinho Mushu quando desperta de um sono de séculos no filme Mulan, da Disney: "Tô vivo, geeeeeeente!!!!".

Bem, mais ou menos... mas já entendi o funcionamento da roca, e consegui produzir alguns metros. Na foto abaixo dá para ver o pequeno progresso que fiz: mais para a direita na foto, o fio produzido está cheio de nós, calombos, irregularidades; indo para esquerda, o fio começa a ficar mais uniforme; na extrema esquerda dá para ver que o fio partiu porque eu não coloquei torção suficiente: as fibras estão bem soltas, aeradas.


Esta semana vou tentar produzir um videozinho mostrando como funciona; hoje não dá - meu marido está viajando. Supostamente foi a um encontro de ex-funcionários da antiga empresa em que trabalhou no Rio de Janeiro, mas algo me diz que ele achou sábio não estar por perto quando eu fizesse as primeiras tentativas com a roca. Confesso que usei algumas palavras deselegantes nesse processo de aprendizado (e provavelmente usarei ainda), mas hoje já estou achando tudo bem mais simples e, principalmente, possível.

Aliás, aprender é um negócio muito interessante; lembro quando vi uma colcha de patchwork pela primeira vez, no Pelourinho, em Salvador. Fiquei ali parada hipnotizada durante vários minutos, achando que uma fada é que tinha feito aquilo - não me parecia possível que um ser humano pudesse ter cortado e costurado com perfeição tantos pedacinhos. Isso foi há dez anos. Hoje dou aulas de patchwork. 

A maioria das coisas que vemos alguém fazendo, sem que nós mesmos saibamos fazer aquilo, nos parece impossível. Desde os tempos em que era professora de inglês, e ouvia alunos suspirar, dizendo, "ah, eu nunca vou falar inglês assim", eu já dizia: imagine que você é um bebê; você está engatinhando no chão, e quando tenta andar, estabaca; aí passa um adulto andando com desenvoltura... Nessa situação, se pensássemos "eu nunca vou andar assim...", estaríamos engatinhando até hoje.

Aprender é um processo: tem de buscar informações e modelos, e depois insistir, praticar. Todo mundo pode. Mas precisamos aprender a aprender - é preciso auto-conhecimento e estratégia. E cara-de-pau, às vezes!

Por enquanto é só! Abçs e um bom domingo!


sábado, 17 de dezembro de 2011

Minha roca chegou!

Não estava nos planos voltar a postar hoje, mas não resisti: minha roca, procurada há dois anos, finalmente comprada duas semanas atrás, chegou hoje! Veio de Santa Catarina, fabricada pela Arte Viva Teares.

E qual é a sensação?

Bem... imagine que você nunca viu um carro. Carros são raros. Mas você tem uma bicicleta e a usa muito bem - vai para todo lado, faz o que quer, totalmente no controle. Um dia, finalmente, você compra um carro, e fica se achando: ora, se a bicicleta, que requer equilíbrio e força, você tira de letra, então o carro vai ser moleza: é movido a gasolina, você só tem de sentar e girar o volante para lá e para cá. Tão simples. Aí você senta ao volante e a ficha cai.

É o que está acontecendo comigo: eu fio com fuso há um ano, sem problemas. A roca de pedal, na teoria, seria apenas mais rápida, mas a verdade é que você tem de fazer tudo proporcionalmente mais rápido, também. Em resumo: tô apanhando.

Fazer tudo o que? Até onde sei não há terminologia em português para as etapas da fiação artesanal; então vou descrever do meu jeito: é preciso colocar torção na fibra já fiada ou no líder, formando uma barreira; desfiar a fibra seguinte para que fique só o volume certo para a espessura de fio que queremos criar; por fim, remover a barreira e deixar a torção acumulada invadir a fibra desfiada, formando o fio. No fuso é bem simples, mas na roca é preciso adquirir coordenação motora para assobiar e chupar cana.

Vou ficar devendo hoje videos em português mostrando esses dois processos. Mas quem está muito curioso pode dar uma olhada nesses aqui, em inglês mesmo:

Fiando com o fuso:
http://www.youtube.com/watch?v=s99KZZOZ4q4&feature=related

Fiando com a roca:
http://www.youtube.com/watch?v=COPAd45ciTA&feature=related

Neste último vídeo a danada da Abby Franquemont - uma fera no assunto - diz que basta usar uma mão - com a outra você pode segurar uma cerveja ou cafezinho... Grrr... sem comentários! Mas como foi com livros e vídeos da mesma Abby que aprendi a usar o fuso um ano atrás acho  melhor eu ficar quieta e dar algum crédito a ela.

Espero voltar em breve para contar que estou fiando maravilhosamente na roca. Enquanto isso, fiquem com fotos do tumultuado cantinho onde tento aprender:

Eu queria uma roca vintage, mas não consegui - tive de me contentar com esta versão de fabricação moderna.

Vista que tenho de cima quando estou sentada fiando...

...de frente...

... e a razão para a roca estar perto da minha mesa de trabalho: 
o socorro vem da internet, dos livros e das revistas especializadas. 
E o CD novo da Amy Winehouse está rolando no notebook, 
porque a música acalma os animais!

Até a próxima!

Como fui parar nesse universo

Na semana passada eu pintei um rápido panorama de como vai o universo das fibras para trabalhos manuais tipo tricô, crochê, tear, etc. E no Brasil?

Aqui no Brasil me parece que estamos andando para trás - por mais doloroso que seja admitir isso.

Eu faço crochê desde menina mas andava meio afastada desse departamento. Cidade grande, trabalhando fora durante anos, vida corrida... Depois saí do emprego para acompanhar o marido, transferido para Salvador; nos dois anos que passamos lá o "comichão" dos trabalhos manuais começou a vir à tona; mas vieram outras mudanças, e foi aqui em Minas que finalmente tive tempo de me interessar de novo, para valer: vim para cá grávida de dois meses - nem tive chance de procurar emprego. Mergulhei no ponto cruz e nas costurinhas!

E foi aí que comecei a enxergar que as coisas por aqui estavam meio no atraso; ganhei de presente "A Bíblia do Ponto Cruz", da Jane Greenoff, e vi quanto material lindão existe pelo mundo. Aqui, eu ia às lojas e só encontrava uma etamine meio de má qualidade, que deixava as cruzinhas destorcidas; e as meadinhas básicas de sempre. Lá fora, bordava-se em linho Zweigart e havia meadinhas de algodão, de linho, de seda... Enfim, comecei a fazer comprinhas online e me apaixonei pelos samplers, um tipo de bordado que não havia visto por aqui. Estes são alguns que bordei naquela época:


A essa altura o patchwork já estava começando a dominar a cena - montei um ateliê em casa, larguei a profissão (aulas de inglês e traduções) e vivo das aulas de patch há três anos. Mas aí comecei a sentir falta de outra válvula de escape - já que o hobby das costurinhas havia virado responsabilidade. Entrou em cena o tricô.

E foi aí, procurando lãs para tricotar, que a maior decepção veio; até então a palavra "lã" para mim era meio sinônimo de "fio", sei lá. Lã era lã; nunca havia parado para pensar na composição dos fios industrializados. Entrei para o Ravelry - uma mega comunidade internacional, online, para tricoteiras e crocheteiras; comecei a pesquisar projetos, a olhar o que as pessoas tricotam mundo afora, e esbarrei nos termos wool, cashmere, mohair, alpaca, angora, qiviut...e handspun. HANDSPUN ?! Mas isso quer dizer fiado à mão! Opa! Há mais sob o sol do que supõe a pobre prateleira de nosso aramarinho local...

Sim, há mais, muito mais... Entrei em um turbilhão de informações e hoje há muito que pesquiso e reflito. Tipo: muitas fibras naturais vêm dos animais, coitadinhos. Vamos usar os sintéticos. É, mas os sintéticos são fabricados através de processos extramamente agressivos para o meio ambiente...E aí? 

Bom, só estou introduzindo essa polêmica. Esta postagem está ficando enorme e nas próximas vou entrar mais nesse assunto. Mas antes de estender a polêmica vou mostrar um pouco dos fios que andei comprando lá de fora, e trabalhos feitos com eles. Vou falar também do que temos no Brasil, do que os fabricantes lançaram este ano e do que foi tirado de linha. Na  próxima postagem, Breve!

Vamos conhecê-los de perto na próxima postagem!



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Universo das Fibras

Hoje gostaria de falar um pouco sobre como está o universo das fibras no planeta terra. E nada melhor do que dados para mostrar uma realidade. Vamos lá:

- Se você fizer uma busca por livros no site da Amazon com a expressão spinning wool  (“fiar lã”), aparecerão 1.336 resultados.

- O site Spinningdaily.com – uma comunidade de fiandeiras mantida pela editora Interweave – lista spinning guilds (associações de fiandeiras) em todos os estados americanos e em mais dez países.

- A revista especializada Spin-Off, publicação trimestral da editora Interweave, tem suas páginas repletas de anunciantes – fabricantes e revendores de matéria-prima e equipamentos para o manejo artesanal de lã, linho, algodão, seda, alpaca e algumas fibras exóticas e raras. Alguns desses anunciantes ocupam duas ou três páginas com suas listas de pontos de vendas, que podem chegar a 100 cidades nos Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália, principalmente.

- A última edição da revista Spin-Off – outono/2011 – trouxe anúncios de sete diferentes festivais de fibras, em diferentes regiões do país, acontecendo simultaneamente. Esses festivais – que atraem milhares de visitantes - duram três ou quatro dias e divulgam artesanato e fibras, oferecem cursos e vendem matéria-prima e equipamentos. A "estrela" desses festivais é a lã.

California Wool & Fiber Festival - Setembro/2011

 - No exterior há renomados profissionais de preparação e fiação de fibras; todos têm livros publicados e uma agenda lotada de compromissos, aulas, workshops e participações em programas de TV. Alguns exemplos são Maggie Casey, Jacey Boggs, Lexi Boeger, Judith McKenzie McCuin e Abby Franquemont.

- Além dos inúmeros fabricantes comerciais de rocas e outros equipamentos, há profissionais que cultuam uma tradição de família e fabricam rocas únicas, customizadas. Esses profissionais podem ter filas de espera de até cinco anos. Para citar alguns: Tom Golding, Andrew Watson, Alden Amos.

- E, para chegarmos mais perto de nós aqui do Brasil, um congresso acontece bienalmente no Peru, reunindo cerca de 400 fiandeiros e tecelões vindos do Canadá, EUA, Mexico, Guatemala, Equador, Bolívia e Argentina. O evento é organizado por Nilda Alvarez, diretora do Centro de Tradições Têxteis de Cuzco.



Fotos do Tinkuy de Tejedores - encontro de fiadores e tecelões - no Peru 

Todas essas informações delineiam um universo que nos parece surreal, não é? Então quer dizer que tem muita gente por aí mexendo com fibras, pedalando em rocas, fabricando em casa o fio que milhões preferem comprar no armarinho? Mas por que? Tem gente que já acha estranho alguém costurar em casa uma roupa que poderia ser comprada na loja; ou passar dias tricotando um suéter; ou cultivar alfaces que poderiam ser compradas na quitanda.

Pois é...é só isso que eu queria dizer hoje: que tem muita, muita gente que pega a lã do carneiro (ou o algodão do pé, a seda da lagarta, o pelo da lhama) e fia em casa, artesanalmente. Muitos, por subsistência; mas também muitos, sem “necessidade”, por puro prazer.

Escrevi “necessidade” entre aspas, de propósito. São diversas as necessidades e motivações de quem embarca em tarefas manuais milenares, e vamos falar mais disso nas próximas postagens. Por enquanto ficamos com os dados – para refletir.

Até a próxima!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Que história é essa de fibra todo dia?

Segundo os médicos,  fibras são parte importante de nossa alimentação diária... mas fibras para comer! E para vestir? Forrar a cama? Cobrir a mesa? Alguém já pensou nisso?

Comecei  a perceber melhor e sentir mais prazer ao lidar com fibras no tempo em que era viciada em ponto cruz, há cerca de dez anos: desenrolar uma meadinha nova, cortar e embainhar o linho... era um ritual muito prazeiroso. Nessa época também surgiu a decepção de perceber que aqui no Brasil não temos os mesmos materiais lá de fora. E aí começaram as pesquisas na internet, as encomendas do exterior.

Em seguida veio o vício dos retalhos – e o prazer de lidar com os tecidos 100% algodão. E a guinada que me fez largar a profissão e virar professora de patchwork. Vou contar essa história mais para a frente... esta postagem é só uma introdução.

Pesquisa vai,  pesquisa vem, comecei a ler sobre mais tradições... cultuadas no exterior. Descobri que lá fora se fia, e muito; que existem publicações especializadas; e festivais de fibra; e inúmeros revendedores de matéria-prima e equipamentos. Descobri que aqui mesmo na América do Sul existem comunidades que produzem lã orgânica artesanalmente; conheci projetos como o Manos del Uruguay, o Malabrigo... e no Brasil?

No Brasil, uma terra com tantas tradições, a gente se contenta em sair do armarinho com um pacote de “lã” 100% acrílico, produzida em larga escala, de qualidade duvidosa e cujo processo de fabricação é extremamente agressivo ao meio-ambiente. Lá fui eu atrás de lã natural made in Brazil, de um carpinteiro para me fazer um fuso, de um fabricante de roca!

Encontrei? Sim, e descobri  gente bacana nesse processo. Gente pioneira que tenta mudar o panorama, plantar a sementinha do amor pela matéria-prima obtida e utilizada com sabedoria; gente que valoriza mais a qualidade do que a quantidade; gente que cresceu vendo a avó fiar para a família toda, e sabe que isso era mais do que uma simples tarefa braçal. 

Este blog é uma tentativa minha de entrar para essa tribo; eu faço crochê, bordo, costuro, tricoto, fio minha própria lã e estou aprendendo feltragem. Mas sei que ainda tenho muito a descobrir, muito a resgatar, muito a semear. Convido todos a acompanhar essa história comigo.

Aqui no “Falando de Fibras” haverá postagens sobre:

- matéria-prima, materiais e equipamentos;
- técnicas;
- tradições;
- livros e revistas especializadas;
- reflexões sobre consumo;
- processos de fabricação e seu impacto sobre o meio-ambiente;
- artesanato, criatividade e direitos autorais;
- gente!

Sejam bem vindos!

E para dar água na boca e aguçar a curiosidade, aqui vai uma pequena seleção de fotos:


Legenda:

1. Bolsa tricotada e feltrada;
2. Árvore de Natal e diorama tricotados e feltrados;
3. Cachecol tricotado com a primeira lã que fiei e tingi (não contem para ninguém que a cor que eu queria era bordô);
4. Painel em patchwork, e a antiga máquina de costura de minha avó!
5. Lãs 100% naturais, garimpadas no eBay ou fiadas por mim;
6. Jogo de fusos de madeira feitos pelo Seu João "Cabelo", do bairro São João; vou falar dele e de sua oficina mais para a frente, e de como se fia com fusos;
7. Livros sobre fazendas orgânicas, festivais de fibras, tricô e tipos de lã.