sábado, 7 de janeiro de 2012

De vento em popa...!

Em uma das últimas postagens mostrei que tinha começado a fiar a lã naturalmente colorida que mandei vir do Rio Grande do Sul. Tenho fiado aos pouquinhos e hoje tomei um susto: a bobina ficou cheia, passei o single para o niddy-noddy e... o total foi 798 jardas!!! Como dizem os mineiros aqui na cidade: óiprocevê!

O bacana de fiar é que se pode parar e recomeçar a qualquer momento, sem preparativo algum. Não tem de ligar qualquer equipamento, preparar espaço, essas coisas. Pintou um minutinho livre? É sentar e fiar.

Lembrando que single é a mecha de lã desfiada e torcida para a direita; é possível utilizar um single para tricotar ou crochetar, mas para se ter um fio mais bacana e resistente é preciso fazer o plying: juntar dois ou mais singles e retorcê-los juntos - desta vez para e esquerda. Esse jogo de torções contrárias formará um fio equilibrado.

Então, já comecei a encher a bobina de novo - dessa vez com a lã marrom-café; já devo ter fiado umas 18 jardas... Faltam só 780. Oops!

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Um pouco sobre tingimento

A informação mais correta que posso oferecer sobre o tingimento é que ele não é uma ciência exata: é muito difícil planejar uma peça de determinada cor e conseguir o resultado desejado. A gente tem de ir experimentando daqui e dali, e aprendendo com os erros. Eu tenho um livrinho bacana: Hand Dying Yarn and Fleece ("Tingindo Fios e Velos Manualmente"), de Gail Callahan; mas livros, neste caso, são apenas pontos de partida: a gente tem de ser meio alquimista.

Vou mostrar abaixo meu experimento com a última meada que fiei; a cor almejada era lilás.


- Antes de começar o tingimento é preciso mergulhar a meada em uma mistura de 2/3 de água e 1/3 de vinagre; deixe por meia hora; esprema o excesso;
- Enquanto isso, prepare a cor: como queria lilás, misturei azul claro com um pouco de vermelho. Misture os pós e acrescente água fervente; a quantidade? Comece com pouco; se colocar demais não dá para retirar. Eu costumava achar que era para misturar o tubinho inteiro, mas não é isso, não!
- Se for tingir por imersão, essa mistura será diluída na panela com mais água e mais vinagre; então é necessário uma mistura mais concentrada; mas para tingir no vapor, como eu estava fazendo, a mistura será despejada diretamente na lã, como mostro na segunda foto: forrei um jornal, abri um pedação de filme plástico, e arrumei a meada ali; fui despejando a tinta misturada na lã e massageando a meada (de leve) até empapar bem;
- Embrulhe com o filme plástico e coloque em uma panela de cozimento no vapor; leve ao fogo por meia hora, apague, deixe esfriar bem e enxagüe; use amaciante no último enxagüe.

MAS...

- Nesse ponto, enquanto embrulhava, eu percebi que a cor não estava legal: estava um rosa pálido demais - nada de lilás. Obviamente, faltava azul. Misturei a tinta novamente, mas aí constatei que não tinha mais filme plástico. Lição do dia: Não faça de improviso - programe-se! Resolvi então tingir por imersão; preparei a mistura mais concentrada e diluí na panela com água fria. Não se deve mergulhar a lã na panela com água já quente: choques de temperatura fazem a lã feltrar. Pelo mesmo motivo, antes de enxaguar a lã depois do tingimento é preciso deixar esfriar totalmente.
- Observe na quarta foto que a mistura na panela parece bem roxa; eu tinha, então, esperança de que o resultado fosse lilás. Não foi. Após manter em fervura baixa por meia hora e escorrer, ficou um rosa escuro queimado. Novamente, faltou azul.

Algumas considerações importantes para quem quiser experimentar:

1. O pó não deve ser inalado, e a tinta não deve entrar em contato com a pele; proteja-se. Não trabalhe com tingimento em superfíceis onde prepara alimentos (eu uso uma pia que fica no quintal, e mesmo assim forro tudo). Panelas e utensílios devem ser usados apenas para tingir.

2. Após manter a panela no fogo o tempo necessário, a água deverá estar clarinha: a fibra deve absorver todo o corante. Se isso não acontecer, é porque foi usada tinta demais. Nesse caso, não despeje o resíduo na pia ou ralo - coloque em um vidro bem vedado e entregue em local apropriado, que recolha resíduos tóxicos. Por isso eu disse que é melhor colocar tinta de menos do que demais. Você sempre pode tingir de novo.

E aqui está o resultado - transformei a meada em bolas ontem à noite e tricotei uma amostra:


Mais uma vez, minha lã fiada manualmente ficou grossa demais. Não há nada de errado nisso, mas eu tinha planejado uma lã mais delicada. No entanto, é errando que se aprende, e dessa vez eu sei o que fiz de errado. Relendo uns trechos do livro The Intentional Spinner (algo como "A Fiandeira Deliberada"), da Judith MacQuenzie McCuin, eu entendi o que está havendo.

A lã é uma fibra animal, e tem uma característica - em maior ou menor grau - chamada crimp: a fibra pode ser mais ou menos crespinha. Isso é bom - resulta em uma lã fofinha, aconchegante. No preparo para fiar, no entanto, a lã é penteada ou cardada: isso reduz o crimp. Aí a gente fia, e acha que a lã está saindo na espessura desejada. Na hora do tingimento, a água quente reativa o crimp: é mais ou menos o que acontece quando a gente faz escova ou chapinha no salão, fica com o cabelo lisérrimo, e depois pega um chuvisco... o lisinho vai para o espaço! Assim, a lã tingida tende a dimuir de comprimento (ih, choveu, cabelo encolheu...) e ficar com mais crimp - bem fofa, mais aerada e com mais espessura. Também por isso é preciso finalizar a lã fiada lavando com água morna - mesmo que você não vá tingir: do contrário, corre-se o risco de tricotar uma peça que encolherá demais na primeira lavagem. Repare que na última foto acima, que mostra a lã secando pendurada em um cabide, eu pus um borrifador ajudando a abrir a meada e evitando que a lã encolha demais. Enfim, eu já tinha percebido que tinha de fiar mais fininho (mostrei na postagem anterior a lã escura que estou fiando) - só não sabia o motivo. Agora sei. 

Nós, seres humanos, utilizamos o que a natureza nos dá, mas nos acostumamos e ter tudo meio caído do céu, comprado - toma-lá, dá-cá. E, geralmente, sem pensar nas conseqüências. É muito curioso tentar produzir com as mãos o que a gente sempre comprou. Aprende-se muito, entende-se os processos... É uma sensação gostosa de auto-suficiência. Tipo: não tem fio natural na loja? Não faz mal, eu mesma faço!

Mas eu quero falar mais dessa questão de natureza, conseqüências e consumo - só que não agora.

Até breve!

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

E vamos aos fios!

Que bom – consegui voltar hoje ainda! Então vamos à prometida postagem sobre os fios do Brasil e de fora, industrializados e artesanais.

Para começar, vou citar uma comparação muito interessante feita pela Clara Parker, autora do livro The Knitter’s  Book of Wool (em português, algo como “O livro da Lã das Tricoteiras”) e outras jóias. Para explicar a importância das diferentes raças, ela pede para pensarmos no vinho: as boas marcas trazem no rótulo o tipo de uva empregada – pinot noir, cabernet, etc.  E trazem também a região de origem – Chianti, etc. As marcas baratinhas só dizem vinho tinto de mesa suave ou vinho branco de mesa seco. Ponto final.

Clara aponta que os fabricantes de lã agem exatamente da mesma maneira: os rótulos dizem “100% lã” e é tudo. Como se lã fosse uma coisa única. Não é – assim como não se pode misturar qualquer uva e fazer um vinho genérico. Isso seria um grande desperdício das qualidades individuais de cada uva.

Felizmente, está havendo um movimento mundial de conscientização, partindo principalmente dos criadores das diferentes raças, para que se passe a valorizar as qualidades de cada tipo de lã. Com isso, hoje já se encontra lã cujo rótulo diz “100% Leiscester” ou Shetland ou Merino. O livro de Clara, nesse aspecto, é uma preciosidade: ela conta tudo sobre as principais raças, qual tipo de lã é apropriado para qual uso e por que algumas pessoas são alérgicas (geralmente porque usaram uma peça feita com lã imprópria para contato direto com a pele...).

Mas olha só: isso é lá fora, tá? Aqui no Brasil, o único fio atual feito de 100% lã de carneiro é o Paratapet, da Pingouin, que é extremamente áspero e impróprio para peças de vestuário. Até recentemente nós tínhamos o maravilhoso Oxford, da Aslan Trends...  que foi descontinuado. No último inverno a Aslan lançou o Magic Fog, o Magic Garden, o Discovery, o Rainbow, o Woodstock... todos 100% sintéticos. A cisne também vem lançando muitas novidades todo ano – mas nenhuma 100% lã. O mesmo acontece com a Pingouin.

Nos últimos dois invernos houve ainda uma praga invasora – desculpem a expressão forte: os fios “divertidos”. Foram dúzias de lançamentos com pompons, pestanas, bolotas, penas de pavão... ufa! Nada contra, tá? Mas não pode ser só isso. Pode até ser legal comprar um fio com pompons cor-de-rosa e fazer, uma vez na vida, um cachecol que lembra uma carrocinha de algodão-doce. Mas e os clássicos? Não dá para tricotar uma peça como esta, por exemplo, sem um fio simples, de boa qualidade, confiável:




Eu tricotei este colete (do livro Folk Vests, de Cheryl Oberle) no ano passado, mas nunca usei: cada vez que olho para ele, está maior; tudo porque utilizei um fio nacional 100% acrílico, de qualidade duvidosa. Bem feito para mim. Eu tenho comprado muito fio lá fora, mas sempre em quantidades pequenas, para conhecer as opções. Para uma peça como esta ficaria meio caro - com o frete passaria do valor de 50 dólares e eu teria de pagar impostos. Uma das características da lã é a resiliência – a capacidade de esticar e voltar à forma anterior. O acrílico não é assim – esticou, dançou. Por isso meu colete não pára de crescer. Infelizmente, não havia uma opção nacional – nem cara, nem barata – para eu tricotar esta peça. O melhorzinho seria o Cisne Merino: 50% Merino, 50% microfibra acrílica. É um belo fio, mas não é 100% natural e custa R$ 18,90 o novelo - e eu precisaria de uns oito novelos. Façam as contas.

Lá fora, não dá para contar a quantidade de fios 100% naturais. Há quem pense que isso acontece por causa de nosso clima. Engano: a lã tem propriedades térmicas únicas e se adapta melhor às necessidades do que o acrílico. No mundo todo se usa peças de lã o ano inteiro. A impressão que tenho é que esse panorama se deve ao conformismo do consumidor brasileiro, que aceita o que lhe é empurrado. A gente desconhece o que existe por aí, e aceita o que tem.  Este blog é também, então, um protesto - uma tentativa de pressionar por produtos de melhor qualidade.

Feito o sermão, vamos a alguns exemplos:


Estes são fios produzidos no Uruguai, 100% merino. Eu compro direto do fabricante e pago entre 6 e 7 dólares por cada meada – os novelos de lãs mais grossas (conhecidas como worsted, para trabalhar com agulhas de tricô nº 4 a 6) contêm 200 metros. As mais fininhas, chamadas fingering, contêm 400 metros. E estas são peças tricotadas com estes fios:


Mais fios produzidos com lã da América do Sul: os dois primeiros são o Malabrigo worsted (100% merino) e o Malabrigo Silk Merino (50% lã e 50% seda); o último é o Berocco Peruvia



Com eles tricotei as peças abaixo:


Abaixo estão os “finados” (descontinuados) Oxford (o verde e o vermelho) e Ecolana (o creme) da Aslan Trends. São fios leves e delicados, as peças ficam lindas (v. foto abaixo), duram muito e feltram bem. Lamentavelmente, os fios não existem mais. 



Estes são o Jojoland Baritone, Australiano (bege), e o Ice Merino da Paradise Ice Yarns, Turco. Compro esses fios no eBay. Mesmo com o frete, saem mais barato do que qualquer fio nacional.  O Baritone é um fio um tanto áspero, mas eu uso para feltrar – tricoto bolsas e depois feltro, como o modelo abaixo:



E estes são meus primeiros fios fiados e tingidos em casa; nesse tempo eu ainda não tinha a roca, então eles foram fiados no fuso, mesmo. Os dois primeiros são do tipo single – são um único fio retorcido; o verde é formado por dois fios retorcidos e depois enroscados juntos – o que em inglês se chama de 2-ply.



Ainda não usei o verde; com os outros dois fiz estas peças:


 Este poncho é uma tremenda cara-de-pau minha: o fio ficou mal fiado, tem partes finas e grossas; o tingimento deu errado; a cor não é identificável na natureza (marrom? cinza? cor de rato molhado?); mesmo assim, ele ficou uma delícia e foi para ele que apelei muitas vezes no último inverno (que foi de lascar por aqui), quando queria me esconder embaixo de um cobertor, mas ao mesmo tempo precisava dos braços livres para ler, tricotar ou costurar. Confesso que na rua eu nunca saí com ele, não. Minha mãe achou que ficou chique. Eu até concordo – a Fernanda Lima, com um jeans arrasador e aquele cabelão, ficaria chique. Mas euzinha – baixinha e fofinha -  fico parecendo uma daquelas camponesas do filme “O Feitiço de Áquila”.

Enfim, desses meus experimentos com fios naturais que encontro por aí, eu concluo: joguem o acrílico no lixo.

Ah, mas e a questão da natureza, do meio ambiente e da proteção aos animais? 
Essa eu vou deixar para a próxima postagem. Até breve!

Primeira do ano!

2012 começou com muuuuuita chuva aqui no Sul de Minas. Passamos o dia 1º em casa vendo filmes com as crianças - e eu aproveitei para fiar!

Eu e minha roca já somos amigas de infância; é relaxante fiar, não faz barulho, é um processo até meditativo... E aqui estão os resultados de meus primeiros esforços:


Esta é uma bola contendo cerca de 120 metros; eu preparei dois fios e depois enrosquei os dois juntos (em inglês, esse processo de enroscar dois ou mais fios juntos é chamado de "plying"). Primeiro eu tentei tingir de rosa usando suco de uva (é possível tingir fibras usando ki-suco ou qualquer outro suco de pacotinho sem açúcar); pareceu dar certo - tirei da panela uma maçaroca de lã rosa-chá! Mas depois de seca a meada ficou  cor-de-burro-quando-foge - meio rosa, meio bege... e muito feia!


Ainda bem que é possível tingir por cima! Apelei para os tubinhos de tinta da Tupy - o Tupycet é apropriado para lã. Misturei um pouco de azul marinho e azul turquesa, empapei a meada, embrulhei em filme plástico e fixei a cor na panela de vapor. Mais tarde mostrarei como se faz isso. Gostei do resultado: ficou um azul quase sólido, com um ligeiro efeito "hand-dyed" - falhas sutis na cor que evidenciam o tingimento artesanal. 

Pena que a lã ficou um pouco grossa demais para meu gosto. Eu estava insegura e os dois fios bases - chamados de "singles" em inglês - saíram mais grossos do que deveriam; quando enrosquei os dois juntos ficou um baita fio, da grossura da Pingouin Paratapet - aquela que se usa para bordar arraiolo.

Essa segunda meada, abaixo, tem cerca de 160 metros e já saiu uma lã mais fina. A peça de madeira ao lado é um niddy-noddy: tem um jeitinho certo de enrolar nele o fio, e cada volta dá uma jarda - aproximadamente 0,91 m. Depois é só remover e amarrar a meada - estará pronta para o tingimento. 



Agora que estou me sentindo menos novata tomei coragem e estou fiando a lã naturalmente colorida que mostrei na última postagem - produzida pela La Rocca. Estou conseguindo fiar bem mais fininho:


Esta cor é um bege misturado com tons cinzentos; tem também a marrom café e a branca. Depois de fiadas, pretendo brincar com as cores na hora de fazer o "plying"; vou tentar enroscar três fios juntos, fazendo combinações diferentes: 
marrom + bege + branco; 
marrom + marrom + bege; 
bege + bege + branco; 
etc. 

Vi um projeto assim na revista Spin-off do outono de 2011: com apenas três cores de fibra foram obtidas inúmeras tonalidades de fio. E eu, que já estou me achando, vou tentar reproduzir o efeito!

Para transformar as mechas de fibra em fio é preciso seguir as etapas:

1. Mecha penteada;
2. Separei com as mãos uma seção com cerca de 1,50m de comprimento;
3. Dividi essa seção em mechas menos espessas;
4. De novo... (a espessura desejada depende do fio que se pretende fiar);
5. Enrolei frouxamente as mechinhas obtidas;
6. Rolinhos prontos para fiar;
7. Extremidade que sobrou da última vez que fiei;
8. Juntei a ponta que sobrou com a ponta do novo rolo;
9. Comecei a desfiar as duas pontas juntas antes de deixar a torção formar o fio.

Ainda estou devendo um vídeo - não esqueci! É que meu marido - entendido dessas coisas aqui em casa - está trabalhando na produção de um vídeo para o aniversário de 15 anos de minha filha, daqui a duas semanas. Depois ele não me escapa!

Também não esqueci que prometi falar de diferentes tipos de fios que temos no mercado; cheguei a postar uma foto dias atrás e prometi esse assunto para a próxima postagem; mas aí minha roca chegou e eu me empolguei, né? 

Em breve - dessa vez é pra valer!