segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

E vamos aos fios!

Que bom – consegui voltar hoje ainda! Então vamos à prometida postagem sobre os fios do Brasil e de fora, industrializados e artesanais.

Para começar, vou citar uma comparação muito interessante feita pela Clara Parker, autora do livro The Knitter’s  Book of Wool (em português, algo como “O livro da Lã das Tricoteiras”) e outras jóias. Para explicar a importância das diferentes raças, ela pede para pensarmos no vinho: as boas marcas trazem no rótulo o tipo de uva empregada – pinot noir, cabernet, etc.  E trazem também a região de origem – Chianti, etc. As marcas baratinhas só dizem vinho tinto de mesa suave ou vinho branco de mesa seco. Ponto final.

Clara aponta que os fabricantes de lã agem exatamente da mesma maneira: os rótulos dizem “100% lã” e é tudo. Como se lã fosse uma coisa única. Não é – assim como não se pode misturar qualquer uva e fazer um vinho genérico. Isso seria um grande desperdício das qualidades individuais de cada uva.

Felizmente, está havendo um movimento mundial de conscientização, partindo principalmente dos criadores das diferentes raças, para que se passe a valorizar as qualidades de cada tipo de lã. Com isso, hoje já se encontra lã cujo rótulo diz “100% Leiscester” ou Shetland ou Merino. O livro de Clara, nesse aspecto, é uma preciosidade: ela conta tudo sobre as principais raças, qual tipo de lã é apropriado para qual uso e por que algumas pessoas são alérgicas (geralmente porque usaram uma peça feita com lã imprópria para contato direto com a pele...).

Mas olha só: isso é lá fora, tá? Aqui no Brasil, o único fio atual feito de 100% lã de carneiro é o Paratapet, da Pingouin, que é extremamente áspero e impróprio para peças de vestuário. Até recentemente nós tínhamos o maravilhoso Oxford, da Aslan Trends...  que foi descontinuado. No último inverno a Aslan lançou o Magic Fog, o Magic Garden, o Discovery, o Rainbow, o Woodstock... todos 100% sintéticos. A cisne também vem lançando muitas novidades todo ano – mas nenhuma 100% lã. O mesmo acontece com a Pingouin.

Nos últimos dois invernos houve ainda uma praga invasora – desculpem a expressão forte: os fios “divertidos”. Foram dúzias de lançamentos com pompons, pestanas, bolotas, penas de pavão... ufa! Nada contra, tá? Mas não pode ser só isso. Pode até ser legal comprar um fio com pompons cor-de-rosa e fazer, uma vez na vida, um cachecol que lembra uma carrocinha de algodão-doce. Mas e os clássicos? Não dá para tricotar uma peça como esta, por exemplo, sem um fio simples, de boa qualidade, confiável:




Eu tricotei este colete (do livro Folk Vests, de Cheryl Oberle) no ano passado, mas nunca usei: cada vez que olho para ele, está maior; tudo porque utilizei um fio nacional 100% acrílico, de qualidade duvidosa. Bem feito para mim. Eu tenho comprado muito fio lá fora, mas sempre em quantidades pequenas, para conhecer as opções. Para uma peça como esta ficaria meio caro - com o frete passaria do valor de 50 dólares e eu teria de pagar impostos. Uma das características da lã é a resiliência – a capacidade de esticar e voltar à forma anterior. O acrílico não é assim – esticou, dançou. Por isso meu colete não pára de crescer. Infelizmente, não havia uma opção nacional – nem cara, nem barata – para eu tricotar esta peça. O melhorzinho seria o Cisne Merino: 50% Merino, 50% microfibra acrílica. É um belo fio, mas não é 100% natural e custa R$ 18,90 o novelo - e eu precisaria de uns oito novelos. Façam as contas.

Lá fora, não dá para contar a quantidade de fios 100% naturais. Há quem pense que isso acontece por causa de nosso clima. Engano: a lã tem propriedades térmicas únicas e se adapta melhor às necessidades do que o acrílico. No mundo todo se usa peças de lã o ano inteiro. A impressão que tenho é que esse panorama se deve ao conformismo do consumidor brasileiro, que aceita o que lhe é empurrado. A gente desconhece o que existe por aí, e aceita o que tem.  Este blog é também, então, um protesto - uma tentativa de pressionar por produtos de melhor qualidade.

Feito o sermão, vamos a alguns exemplos:


Estes são fios produzidos no Uruguai, 100% merino. Eu compro direto do fabricante e pago entre 6 e 7 dólares por cada meada – os novelos de lãs mais grossas (conhecidas como worsted, para trabalhar com agulhas de tricô nº 4 a 6) contêm 200 metros. As mais fininhas, chamadas fingering, contêm 400 metros. E estas são peças tricotadas com estes fios:


Mais fios produzidos com lã da América do Sul: os dois primeiros são o Malabrigo worsted (100% merino) e o Malabrigo Silk Merino (50% lã e 50% seda); o último é o Berocco Peruvia



Com eles tricotei as peças abaixo:


Abaixo estão os “finados” (descontinuados) Oxford (o verde e o vermelho) e Ecolana (o creme) da Aslan Trends. São fios leves e delicados, as peças ficam lindas (v. foto abaixo), duram muito e feltram bem. Lamentavelmente, os fios não existem mais. 



Estes são o Jojoland Baritone, Australiano (bege), e o Ice Merino da Paradise Ice Yarns, Turco. Compro esses fios no eBay. Mesmo com o frete, saem mais barato do que qualquer fio nacional.  O Baritone é um fio um tanto áspero, mas eu uso para feltrar – tricoto bolsas e depois feltro, como o modelo abaixo:



E estes são meus primeiros fios fiados e tingidos em casa; nesse tempo eu ainda não tinha a roca, então eles foram fiados no fuso, mesmo. Os dois primeiros são do tipo single – são um único fio retorcido; o verde é formado por dois fios retorcidos e depois enroscados juntos – o que em inglês se chama de 2-ply.



Ainda não usei o verde; com os outros dois fiz estas peças:


 Este poncho é uma tremenda cara-de-pau minha: o fio ficou mal fiado, tem partes finas e grossas; o tingimento deu errado; a cor não é identificável na natureza (marrom? cinza? cor de rato molhado?); mesmo assim, ele ficou uma delícia e foi para ele que apelei muitas vezes no último inverno (que foi de lascar por aqui), quando queria me esconder embaixo de um cobertor, mas ao mesmo tempo precisava dos braços livres para ler, tricotar ou costurar. Confesso que na rua eu nunca saí com ele, não. Minha mãe achou que ficou chique. Eu até concordo – a Fernanda Lima, com um jeans arrasador e aquele cabelão, ficaria chique. Mas euzinha – baixinha e fofinha -  fico parecendo uma daquelas camponesas do filme “O Feitiço de Áquila”.

Enfim, desses meus experimentos com fios naturais que encontro por aí, eu concluo: joguem o acrílico no lixo.

Ah, mas e a questão da natureza, do meio ambiente e da proteção aos animais? 
Essa eu vou deixar para a próxima postagem. Até breve!

2 comentários:

Claudia Lamarão Nascimento disse...

Ah, Jane! Você está reacendendo em mim a vontade de sentar em frente ao tear e experimentar esses fios. Precisamos conversar...
Seu blog está se tornando uma preciosidade!
beijo

Jane Rotta disse...

Obrigada, Cláudia! Que bom saber que alguém está se sentindo inspirada por causa do meu blog! A idéia é essa... vamos conversar, sim! Eu estou por aqui,e de férias!